Dois dias depois do anúncio de perda de subscritores da Netflix, uma das suas mais jovens concorrentes anuncia ter adicionado mais três milhões de assinantes – a HBO e a HBO Max têm agora 76,8 milhões de clientes em todo o mundo numa altura em que concorre para se afirmar como um dos três grandes nomes do streaming. Ainda assim, esse anúncio é abafado pela desvalorização do streaming na Bolsa de Nova Iorque, com a desilusão dos mercados com a Netflix a contaminar a sua concorrência.
Dois anos depois de a Netflix se ter valorizado de tal forma durante a pandemia que ultrapassou o valor das empresas petrolíferas, a maré mudou. Tal como muitos analistas previam, a par das guerras do streaming em que cada vez mais plataformas tentam conquistar assinaturas mundo fora, a bolha do streaming parece estar cada vez mais tensa. Um ano depois de a empresa de Ted Sarandos garantir que a contracção do seu crescimento não era um problema, de repente transformou-se num problema de milhares de milhões. Em Novembro valia 283 mil milhões de euros e hoje vale 91,8 mil milhões, como assinala o jornalista da Bloomberg Lucas Shaw.
O mercado do streaming, marcado por forte crescimento e acompanhado pela mudança dos hábitos de consumo audiovisual, tem nos bastidores um mar de dívidas agitado pela necessidade de investimento constante em tecnologia e programação. Na sequência da perda de 200 mil subscritores na Netflix, as suas acções caíram 35% e houve um efeito dominó de desconfiança no sector – os títulos da Disney, da Warner Discovery e da Paramount, por exemplo, desvalorizaram entre 5 e 8% até ao fecho dos mercados na quarta-feira.
Numa altura em que a concorrência está cheia de séries como Billions, Super Pumped ou The Dropout, que mostram o mundo dos investidores de hedge fund e a importância dos fundos fiduciários para as novas empresas de tecnologia – como a Netflix -, o bem real investidor activista Bill Ackman anunciou na quarta-feira que vendeu todas as suas acções da Netflix. Tinha-as comprado a 1,1 mil milhões de dólares e largou-as como lastro no “day after” das más notícias da Netflix, perdendo uma quantia que não divulgou mas que se estima que tenha rondado os 400 milhões.
A Netflix admite perder mais dois milhões de assinantes até fins de Junho, o que parece ter provado ao mercado que a sua fé no seu potencial de crescimento quase infinito era exagerada. “Estamos super focados em voltar às boas graças dos nossos investidores”, disse o co-presidente da empresa, Reed Hastings, na chamada com os investidores que se seguiu ao seu anúncio de resultados. A plataforma apresentou como soluções o combate à partilha de passwords e a introdução de publicidade para criar subscrições low cost. Mencionou por alto a programação
Entretanto, a concorrência continua a crescer, nomeadamente a expandir-se num planeta em que a Netflix ainda é líder – de longe, com 221,64 milhões de subscritores – mas em que passou do lugar de pioneira e disruptora do mercado ao posto de incumbente. Os seus preços foram também subindo. A HBO e a HBO Max, plataforma nascida em plena pandemia e que há escassas semanas se afirmou com esse nome em Portugal, é uma das suas concorrentes mas ainda está longe do pódio, ocupado pela Amazon Prime Video e pela Disney+, as plataformas com maior dimensão. Tal como a Apple TV+, estas últimas não aderem integralmente ao modelo único de estreia da Netflix: doseiam as suas estreias com novos episódios semanais ao invés do despejar de toda uma temporada de uma só vez da Netfix.
Porém, a HBO Max continua a crescer e está a tentar trabalhar com os mesmos trunfos, na óptica dos espectadores, que a Disney+ já tem e que a Amazon e a Netflix estão a criar mais devagar – franchises, séries e filmes com existência longa e multifacetada. A Disney tem no ar mais uma série Marvel e aguarda a estreia de mais uma série Star Wars; a Amazon estreia em Setembro a série de TV mais cara de sempre, O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder, duas semanas depois de a HBO debutar a prequela de A Guerra dos Tronos, House of the Dragon. Na conversa com os investidores da Netflix, a programação ocupou um espaço diminuto. Falaram do filme Knives Out 2, do final da série Ozark e até de uma versão sul-coreana de La Casa de Papel – a programação “local”, em língua não-inglesa, é uma aposta forte da Netflix, que tem a única série original integralmente portuguesa para uma plataforma de streaming estrangeira; as restantes plataformas estão a tentar acompanhá-la.